Vida extraterrestre e onde a encontrar Understand article

Com missões espaciais que se aventuram até às luas de Júpiter e Saturno – e mais além – em procura de condições para a vida, que formas de vida extraterrestre podem ser encontradas em ambientes tão exóticos?

Estamos a entrar numa nova era da exploração espacial: uma que pode, finalmente, revelar se estamos ou não sós no Universo. Meio século depois da primeira alunagem, durante a próxima década vamos explorar ainda mais as luas que orbitam outros planetas no nosso Sistema Solar. Estão planeadas várias missões da NASA e da ESAw1que olharão mais de perto para algumas dessas luas (ver caixa de texto) e – apesar de ainda não ter sido detetada vida fora da Terra –  procurarão condições que podem permitir a emergência de vida. O que é provável que estas missões encontrem e onde são os melhores locais do Sistema Solar para a procura de vida?

As luas e a procura de vida

Em geral, os outros planetas que orbitam o Sol são hostis à vida. Ou são muito quentes, como Vénus e Mercúrio, ou muito frios, como Neptuno. A alguns, como Marte, falta-lhes uma atmosfera densa, enquanto outros pouco mais são do que apenas atmosfera, tais como os gigantes gasosos Júpiter e Saturno. É notável que aos restantes planetas do nosso Sistema Solar pareça faltar água no estado líquido, um ingrediente necessário para a vida como a conhecemos. 

Contudo, as luas – antes pensadas como rochas frias e estéreis e, consequentemente, desinteressantes do ponto de vista de um astrobiólogo – estão-se a revelar muito mais promissoras na procura de condições que possam viabilizar vida. Várias têm água, usualmente debaixo de uma grossa camada de gelo que a protege da evaporação e de radiação. No caso de Ganimede, a maior lua de Júpiter, o seu oceano líquido pode ter 200 km de profundidade, debaixo de, talvez, 50 km de gelo.

The icy surface of Jupiter’s moon Europa, photographed by NASA’s Galileo spacecraft. Blue or white areas contain relatively pure water ice.
A superfície gelada da lua de Júpiter, Europa, fotografada pela nave Galileo da NASA. Zonas azuis ou brancas contêm gelo de água relativamente puro. 
NASA/JPL-Caltech/SETI Institute

Jatos de água recentemente descobertos em erupção na superfície de algumas destas luas sugerem que os seus interiores sejam mornos e que contenham água líquida, talvez salgada – não diferente dos oceanos da Terra. Longe demais do Sol para serem aquecidas por este, estas luas podem, em vez disso, ser aquecidas pelo decaimento radiativo nos seus núcleos ou pelo aquecimento de maré gerado pela atração gravitacional dos respetivos planetas. No fundo dos seus oceanos, suspeitam os cientistas, podem existir fontes hidrotermais que libertam calor e minerais para a água, criando condições maduras para a vida emergir. De facto, muitos cientistas pensam que a vida na Terra pode ter tido origem em fontes hidrotermais no mar profundo que ainda hoje abundam de vida, utilizando a energia vinda do interior do planeta, em vez de vinda do Sol.  

O oceano escondido de Plutão 

Tem-se acumulado evidência de outro corpo do nosso Sistema Solar ter um oceano escondido debaixo da sua superfície gelada: o planeta-anão Plutão. Em 2015, a missão New Horizonsw2 da NASA fez uma passagem por Plutão e revelou que este é mais complexo e ativo geologicamente do que se pensava, com glaciares de gelo de azoto, montanhas de gelo de água e uma folha de gelo de espessura variável. Estas observações, junto com dados gravíticos, sugerem que pode existir água líquida debaixo da sua superfície – o que é surpreendente, por Plutão estar tão distante do Sol que a água deveria estar solidamente congelada.

Em 2019, num estudo conjunto entre cientistas de várias universidades japonesas e a Universidade da Califórnia em Santa Cruz, apresentou-se a sugestão de uma camada isolante de gás por baixo da superfície gelada de Plutão conseguir manter uma camada mais profunda de água no seu estado líquido. Se verdadeira, isto pode querer dizer que outros objetos celestes distantes podem também ter água líquida e que podem existir muito mais oceanos no Universo do que se pensa, tornando a existência de vida extraterrestre ainda mais plausível. “Se tivermos água líquida por lá durante 4 biliões de anos, talvez tenha cozinhado algo”, diz Seth Shostak, astrónomo senior do SETI Institute na Califórnia, EUA. “E se Plutão consegue cozinhar alguma coisa, poderão existir muitos outros locais iguais.”

Image of Pluto’s surface, showing mountains thought to be made of water ice, from NASA’s New Horizons fly-by mission
Imagem da superfície de Plutão, mostrando montanhas que se pensa serem feitas de gelo de água, da missão New Horizons da NASA
Laboratory/Southwest Research Institute

Para lá do Sistema Solar 

Plutão, a Terra e as luas do nosso Sistema Solar não são os únicos locais com oceanos. A água líquida, antes considerada uma comodidade limitada que tornou o nosso planeta especial, é agora pensada como bastante comum em exoplanetas – planetas noutros sistemas solares. “H2O por todo o lado”, diz Shostak, acrescentando que há “muito poucas razões para acreditar que a Terra é excecional” a este respeito.

Estudos de exoplanetas sugerem que alguns podem ser ‘mundos de água’ – verdadeiros berlindes azuis que ultrapassam mesmo o conteúdo de água do nosso próprio planeta azul. De acordo com os modelos, podem existir exoplanetas que contêm mais de 50% de água em massa, comparados com os meros 0.02% na Terra. Pensa-se que alguns exoplanetas estão inteiramente cobertos de água, sendo um oceano o único habitat disponível – assim, qualquer vida lá seria marinha.

Artist’s image of exoplanet K2-18b, which is known to have water and temperatures that could support life
Imagem de artista do exoplaneta K2-18b, de que se sabe ter água e temperaturas que poderão permitir vida
ESA/Hubble, M. Kornmesser, CC BY 4.0

Mesmo os exoplanetas que não são verdadeiros mundos de água, no sentido de serem totalmente envolvidos por um oceano global, ainda podem ser ricos em água. Por exemplo, vários dos exoplanetas descobertos no sistema planetário TRAPPIST-1, a 39 anos-luz de distância, parecem ser mundos rochosos com cerca de 5% da sua massa água. Alguns destes planetas orbitam a sua estrela na zona habitável, onde as temperaturas são as ideais para a existência de água líquida – embora as condições superficiais possam ser pouco hospitaleiras de outras perspetivas.

Voltando a tocar a cassete da vida

Se existe vida nalgum dos oceanos alienígenas no nosso Sistema Solar ou mais longe, como será a sua aparência? Será que a evolução voltaria a tocar a cassete da vida e produziria organismos semelhantes aos que vemos na Terra, ou será que tudo seria completamente diferente?

Um possível problema pode ser o da vida extraterrestre ser tão exótica que não a conseguimos identificar como viva. “Para a maioria do que possa existir, vai ser difícil provar que é vida; não tenho mesmo a certeza se conseguiríamos dizê-lo”, diz Casey Brinkman, um astrónomo da Universidade do Havai em Manoa, EUA. “Como se define vida? Não existe uma boa definição única”, diz ela. Para além da questão de definir vida de uma forma que satisfaça os cientistas das diferentes disciplinas, Brinkman chama a atenção para que, mesmo na Terra, há muitas possibilidades para diversas formas de vida que não se parecem muito com criaturas reconhecíveis – desde organismos marinhos que parecem plantas a estruturas estáticas como os recifes de coral.

Coral reef in French Polynesia – an exotic life form on Earth
Recife de coral na Polinésia Francesa – uma forma de vida exótica na Terra
Adam Reeder/Flickr, CC BY-NC.2.0

Mas alguns cientistas argumentam que as mesmas restrições físicas e geológicas que se encontram nos diferentes planetas, devido às leis da Física e da Química, provavelmente causam a convergência de diferentes formas de vida e linhagem para as mesmas soluções, resultando em organismos que evoluem para parecer e comportar-se de forma semelhante. Na água, por exemplo, a necessidade de nadar e reduzir a resistência resultou na Terra em formas de corpos esguios semelhantes para animais tão diversos como os peixes e os golfinhos.

“A evolução repete-se, por vezes, mas usualmente isso não acontece”, escreve o biólogo evolucionista Jonathan Losos no seu livro de 2018 Improbable Destinies: Fate, Chance, and the Future of Evolution (Losos 2018). “Apesar da ocorrência de alguns casos de convergência, esperaria que a vida extraterrestre fosse, na sua maioria, muito diferente da que vemos aqui na Terra”, diz ele. “Um extraterrestre pode mesmo ser uma mistura, como um ornitorrinco, de várias partes corporais emprestadas de diferentes habitantes terrestres.” O famoso ornitorrinco bico-de-pato da Austrália, tem um bico como um paco, uma cauda como a de um castor, os pés em rede como os de uma lontra, pelo à prova de água como o de uma lontra marinha, receção elétrica como uma enguia e um espigão venenoso e um tornozelo como uma cascavel.

Podemos esperar encontrar este tipo de mistura evolucionista nos exoplanetas e luas mais parecidos com a Terra, mas as coisas podem ficar ainda mais estranhas em locais com uma química mais exótica – tais como a lua Titã, de Saturno, onde os mares são feitos de metano líquido em vez de água. A missão Cassini-Huygens aterrou uma sonda em Titã em 2005 que revelou uma paisagem como a da Terra em condições nada terráqueas: um mundo tão frio que a água, misturada com rocha, forma colinas e chão sólido e as núvens, chuva, rios e mares são compostos de metano e etano, que são gases na Terra. Em ambientes tão alienígenas, a necessidade das formas de vida se adaptarem às condições locais significa que podem ser bem diferentes do que quer que exista na Terra.

Imaginar que formas de vida podem existir para além da Terra leva-nos longe, para os campos da especulação, mas isso não travou carismáticos como o biotecnólogo Craig Venter e os físicos Michio Kaku e Stephen Hawking de sonharem possibilidades. E dadas as infindáveis formas criativas que a evolução despertou no nosso próprio planeta, parece razoável imaginar que devem existir coisas bem mais estranhas a aguardar descobertas por aí.

Mosaic image of Saturn’s moon Titan, from NASA’s Cassini-Huygens mission, showing (in blue/black) lakes and seas made up of liquid methane and ethane. Land areas appear yellow or white. NASA/JPL-Caltech/ASI/USGS
Imagem em mosaico da lua Titã de Saturno, da missão Cassini-Huygens da NASA, mostrando (em azul/preto) lagos e mares feitos de metano e etano líquido. Áreas de solo aparecem a amarelo ou branco.
NASA/JPL-Caltech/ASI/USGS

 

Mais missões para luas

Estão planeadas várias missões espaciais no nosso Sistema Solar para a próxima década. Um dos seus objetivos é a procura de provas de vida extraterrestre.

  • missão JUICE, da ESA, com lançamento planeado para 2022, vai estudar as três luas geladas de Júpiter: Calisto, Europa e Ganimede. Entre outros objetivos, vai estudar os oceanos subsuperficiais das luas e a sua habitabilidade e ainda investigar a química essencial para a vida.
  • missão Europa Clipper da NASA, com lançamento em 2023, planeia orbitar Júpiter e passar pela sua lua Europa múltiplas vezes de forma a investigar se a lua gelada tem ou não condições propícias à vida.
  • A missão Dragonfly da NASA à lua Titã de Saturno tem o lançamento previsto para 2026 com chegada a Titã em 2034. Para além de aterrar uma nave parecida com um drone de forma a explorar localizações prometedoras e procurar sinais de vida, também pode usar um submarino autónomo para estudar um dos maiores mares de Titã, o Kraken Mare. A missão pode ainda incluir um robot-tunelizador movido a energia nuclear que perfure através do gelo e chegue aos oceanos por baixo – e inspecione a parte de baixo do gelo em busca de biofilmes microbianos. 
Artist’s illustration showing NASA’s Dragonfly lander on the surface of Titan
Ilustração de artista mostrando a sonda Dragonfly da NASA na superfície de Titã
NASA/JHU-APL

 


References

  • Losos J (2018) Improbable Destinies: Fate, Chance, and the Future of Evolution. Riverhead Books. ISBN: 9780525534136

Web References

Resources

Author(s)

Mićo Tatalović é o responsável da Association of British Science Writers. Trabalhou como editor de notícias científicas na Nature, New Scientist e SciDev.Net. Mićo tem um bacharelato em Biologia pela Universidade de Oxford, Reino Unido; um mestrado em Zoologia pela Universidade de Cambridge, Reino Unido; e um mestrado em Comunicação Científica pelo Imperial College London, Reino Unido.

Review

A procura de sinais de vida para além da Terra, ou das condições ideais para a mesma, apenas começou. Estamos à procura no nosso Sistema Solar (e.g. missões a Marte ou mesmo a cometas) e em exoplanetas distantes. Este artigo especula sobre que formas alienígenas – se existirem – podem ser encontradas em locais exóticos do espaço.

O artigo pode ser usado como um exercício de compreensão e as questões poderiam incluir:

  • Que condições ambientais podem ser necessárias para a vida fora da Terra?
  • Porque pode ser difícil identificar formas de vida extraterrestre como vivas?
  • Como definiria você vida?
  • Discuta as possibilidades de vida em Plutão, o planeta-anão.
  • Algumas missões espaciais a luas têm início planeado dentro da próxima década. Que missões são estas e quais os seus objetivos?

Gerd Vogt, professor de Física e Tecnologia, Higher Secondary School for Environment and Economics, Yspertal, Austria

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