O potencial de repouso: introdução aos fundamentos do sistema nervoso Teach article

Traduzido por Bruno Fontinha. Simulando um neurónio na sala de aula

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Imagem cortesia de Dhp1080;
imagem fonte: Wikimedia
Commons

O sistema nervoso não é apenas fascinante, mas também, provavelmente, um dos tópicos mais complexos em aulas de biologia, na medida em que trabalhar com neurónios reais não é exequível na escola. Neste artigo, descrevemos uma actividade que utiliza uma membrana de celofane para explorar como o potencial de repouso é gerado num neurónio. Adequado para alunos com idades entre 16-19, a actividade durará aproximadamente 90 minutos.

Um potencial de membrana artificial

Para que a transferência de informações ocorra, os neurónios precisam de ser capazes de gerar e manter um potencial de membrana: uma diferença de voltagem entre os meios intra e extracelulares que se concentra ao longo da membrana celular. A diferença de voltagem num neurónio em repouso é referido como o potencial de repouso. A estimulação deste neurónio pode alterar o potencial de repouso, causando um potencial de acção: o impulso eléctrico através do qual o neurónio transmite informações. Antes de o neurónio pode disparar novamente, o potencial de repouso tem de ser reestabelecido (figura 1). Mas como é que o potencial de repouso é gerado e mantido? A resposta encontra-se, em parte, na natureza semi-permeável da membrana celular.

Figura 1: diferença de voltagem entre a membrana celular ao longo do tempo, quando um neurónio é estimulado. A: o potencial de repouso; B: um potencial de acção; C: o potencial de repouso é reestabelecido; t: tempo
Imagem cortesia de Nicola Graf

De entre outros constituíntes do material intracelular e extracellular, encontram-se dissolvidos iões de sódio (Na+), cloro (Cl), aniões  orgânicos (A) e, o mais importante, potássio (K+). Quando um neurónio dispara e o potencial de repouso começa a ser restabelecido, a concentração de iões K+ é maior no interior do neurónio do que fora. Ao contrário da maioria dos outros iões, os iões de K+ podem passar livremente para dentro e para fora da célula, através de canais iónicos especializados localizados na membrana. Impulsionado pelo respective gradiente de concentração, os iões K+ difudem-se para fora do neurónio, causando um movimento geral de carga positiva (figura 2). Isto provoca uma diferença de voltagem através da membrana, ficando o meio intracelular com um maior número de cargas negativas quando comparado com o meio extracellular. Este é o potencial de repouso, com um valor de cerca de -70 mV.

Figura 2: Quando as solucões em ambos os lados da membrana semi-permeável possuem diferentes concentrações (topo), a distribuição de cargas negativas e positivas ao longo da membrana fica desiquilibrada (abaixo), causando uma diferença de voltagem. De notar que a concentração de catiões K permanence maior num dos lados da membrana, devido à sua atracção aos aniões, que por sua vez encontram-se presos pela membrana.
Imagem cortesia de Alexander Maar

Apesar de existirem outros factores envolvidos na determinação do potencial de repouso num neurónio, a contribuição conjunta do gradiente de concentração e das propriedades eléctricas dos catiões e aniões pode facilmente ser demonstrada na sala de aula utilizando o celofane como uma membrana semi-permeável, como descrito abaixo.

Antes da actividade, seria útil cobrir os princípios básicos da difusão e membranas celulares com os seus alunos. Instruções para as atividades que envolvam as propriedades da membrana celular e difusão através de membranas podem ser descarregadas a partir da secção de material adicionalw1.

Materiais

Para cada grupo de 2-4 estudantes, precisará:

  • 300 ml 0.01 M solução de cloreto de potássio (KCl)
  • 100 ml 0.1 M solução de cloreto de potássio (KCl)
  • Água destilada
  • Voltímetro
  • Eléctrodos (fio de prate clorada)
  • Tijela de vidro (200-300 ml)
  • Funil
  • Papel celofane
  • Elástico
  • Suporte de fixação e três braçadeiras
  • Dois cabos com clipes de crocodilo
  • Pipetas
  • Tesouras

Procedimento

Antes de iniciar a actividade, discuta com com os alunos o modo como eles pensam que pode ocorrer uma diferença de voltagem na célula e quais os componentes celulares que são importantes no seu estabelecimento. Apresente resumidamente o potencial de repouso. Só de seguida, diga aos seus alunas para:

  1. Encher a tigela de vidro com cerca de 200 ml de solução 0.01 M de cloreto de potássio (KCl), que representa o meio extracelular da membrana.
Image courtesy of Alexander Maar
Imagem cortesia de Alexander Maar
  1. Cortar um pedaço grande o suficiente de papel celofane  para cobrir a base do funil e, em seguida, enxaguar o celofane em água destilada para torná-lo mais flexível. O papel celofane serve como a membrana semi-permeável.
Image courtesy of Alexander Maar
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  1. Enrolar um pedaço de papel celofane firmemente em torno da base do funil e fixar com ajuda do elástico.
Image courtesy of Alexander Maar
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  1. Prender o funil no suporte de fixação de modo a que a base do funil esteja submersa na solução de KCl presente na tijela de vidro.
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  1. Usando uma pipeta, adicionar 0.1 M de solução de KCl para o funil, até que os níveis dos líquidos dentro e fora do funil estejam ajustados. A solução que se encontra dentro do funil representa o meio intracelular.
Image courtesy of Alexander Maar
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  1. Prender os dois eléctrodos ao voltímetro com pinças de crocodilo. Colocar o eléctrodo, que se encontra ligado ao cátodo do voltímetro, dentro da solução da tijela de vidro. Apoiado por uma braçadeira, colocar o segundo eléctrodo, ligado ao ânodo, na solução do funil.
Image courtesy of Alexander Maar
Imagem cortesia de Alexander Maar

Discussão e futuras investigações

Pergunte aos seus estudantes:

  • Qual a voltagem que eles prevêem que o voltímetro irá mostrar? Alguns estudantes poderão pensar que será positiva, tal como é um potencial de acção. Peça-lhes para definir o voltímetro para cerca de 200 mV.
  • Em cerca de 10 segundos, a voltagem irá decrescer, estabilizando em aproximadamente 5 minutos entre -50 mV e -60 mV.
  • O que é que causa a diferença de voltagem entre as duas solucões? Porque é que o valor é negativo? O que teria acontecido se a solução dentro da tijela de vidro fosse a mais concentrada das duas?
  • Porque é que eles pensam que a membrana e as duas solucões criaram uma distribuição desigual de iões?

Tal como um neurónio verdadeiro, esta experiência baseia-se em dois componentes: no gradiente de concentração e nas propriedades semi-permeáveis do papel de celofane. Tal como a membrana de um neurónio, o celofane é permeável aos iões K mas praticamente não-permeável a iões Cl. Isto significa que, como no neurónio, há uma difusão gradual de iões K  para fora do funil (0.1 M de KCl) em direcção à tigela de vidro (0.01 M de KCl). Se os eléctrodos forem colocados cuidadosamente, sem perfurar o celofane, a voltagem da solução no funil pode ser vista a tornar-se mais negativa. O ajuste inicial de 200 mV no voltímetro é arbitrária, para garantir que a leitura final é semelhante ao potencial de repouso verdadeiro.

Apesar de ser realista, esta experiência não é um modelo completo de como o potencial de repouso é estabelecido e mantido. Num neurónio, os meios intra- e extracelular contêm mais do que iões K+ e Cl, e existem outros mecanismos que determinam a permeabilidade da membrana. No entanto, esta actividade oferece uma oportunidade para discutir a exactidão do modelo, e a introdução de outros aspectos da neurobiologia, tais como canais de iões, a bomba de sódio-potássio e o potencial de acção.

Alternativamente, poderá perguntar aos seus estudantes para discutirem cenários hipotéticos, por exemplo, usando soluções adicionais, ou uma membrana com outras propriedades or diferentes concentracões de KCl.


Web References

  • w1 – Fichas de trabalho abrangendo as propriedades da membrana celular e difusão através das membranas pode ser descarregado a partir da secção de materiais adicionais.

Resources

  • Para mais detalhes sobre electroquímica e potenciais de membrana, ver:
  • Para mais informção geral sobre neurobiologia, ver Neuroscience Online, um livro de neurociências.
  • Para um olhar mais detalhado sobre neurónios, ver:
    • Shepherd GM (1983) Neurobiology. New York, USA: Oxford University Press. ISBN: 978-0195088434
  • Para uma explicação mais simples sobre potenciais de repouso e de acção, ver o  Neuroscience for Kids website.

Author(s)

Dr. Wegner Claas é um membro da Universidade de Bielefeld, Departamento de Biologia Didáctica e professor de prática pedagógica neste assunto. Fundador e supervisor máximo do Kolumbus-Kids, um projecto para o ensino de biologia para estudantes talentosos na Universidade de Bielefeld. Além disso, ensina Biologia e Educação Física como um professor sénior no Ratsgymnasium Bielefeld.

Dr. Roland Kern tem sido um dedicado membro da Universidade de Bielefeld no Departamento de Neurobiologia desde 1996. Na sua posição como professor de fisiologia humana e animal, ensina diversos temas sobre neurobiologia a estudantes de ciências naturais.

Jennifer Kahleis é um graduado da Universidade de Bielefeld, que estudou biologia, química e ciências da educação. Trabalhou como assistente académica no Departamento de Biologia Didáctica durante seus estudos de mestrado e actualmente trabalha como professor estagiária.

Alexander Maar está a estudar ciências da educação juntamente com Inglês e Biologia para o ensino secundário. Encontra-se activo como  assistente na Universidade de Bielefeld, Departamento de Biologia Didáctica.

Review

Modelos simples podem ser muito úteis para a compreensão de processos complexos que ocorrem na natureza. Este artigo descreve uma actividade prática para desvendar como os neurónios funcionam. Todos os materiais necessários podem ser facilmente adquiridos e as instruções são fáceis de seguir, tornando a experiência adequada para os alunos, que a podem realizar em grupos.

As actividades podes ser usadas para juntar diversos tópicos de biologia, química e física.

Os interessados em aprofundar os seus conhecimentos sobre o assunto também pode encontrar atividades de ensino complementar na secção de referências.

Mireia Güell Serra, Espanha

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