Mais do que o olho vê: como os telescópios espaciais observam para lá do arco-íris Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. Como é que os astrónomos investigam o ciclo de vida das estrelas? Na Agência Espacial Europeia (ESA) isto é feito utilizando missões espaciais que observam o céu na luz ultravioleta, visível e infravermelha – como este quarto artigo numa série sobre…

30 Doradus, também
conhecida como a nebulosa
da Tarântula, no UV, visível e
luz vermelha
.
A imagem é cortesia da ESA /
Hubble & NASA

Quando olhamos para o céu noturno, a paisagem cósmica que vemos é modelada pelas estrelas. Embora a maior parte apareça como pontos de luz branca, algumas – mesmo para o olho nú – parecem coloridas. Um bom exemplo pode ser visto na constelação de Orion, o caçador: o seu ombro direito é a estrela vermelha supergigante Betelgeuse e o seu joelho esquerdo a estrela azul supergigante Rigel.

As ‘cores’ são devidas a diferenças na temperatura superficial das estrelasw1: as mais quentes emitem a maior parte da sua luz nas regiões do espetro eletromagnético do visível azul ou ultravioleta, enquanto as mais frias radiam a comprimentos de onda mais longos, nas regiões do visível vermelho ou do infravermelho (ver Mignone & Barnes, 2011a).

Clique na imagem para
aumentar. Estas duas
imagens mostram como
observações feitas na luz
visível e IV revelam
dramaticamente visões
diferentes de um objeto. Na
imagem do fundo, feita no
IV-próximo, a coluna densa e
o gás esverdeado em seu
torno praticamente
desaparecem. Ao penetrar o
gás e a poeira, a visão IV da
WFC3 revela a estrela infante
que provavelmente emite o
jato.

A imagem é cortesia da NASA,
ESA e da equipa Hubble SM4
ERO

Mas o que é que torna uma estrela quente ou fria? Há dois fatores principais: o estágio da estrela no ciclo de vida estelar e a sua massa. A massa é importante já que determina a rapidez com que uma estrela queima o seu combustível nuclear: estrelas maiores queimam-se mais depressa, produzindo temperaturas muito mais elevadas.

Para sondar como estrelas de todas as massas se desenvolvem ao longo do seu tempo de vida, as suas emissões na gama do ultravioleta (UV) ao infravermelho (IV) são particularmente importantes. Infelizmente, uma larga porção destes comprimentos de onda são bloqueados pela atmosfera da Terra e o resto pode ser afetado por turbulência atmosférica; assim, os telescópios espaciais demonstraram ser uma ferramenta crucial para investigar como as estrelas se formam e evoluem.

A ESAw3 tem operado várias missões espaciais cujo objetivo é estudar esta gama de comprimentos de onda – as mais notáveis foram o Infrared Space Observatory e o Herschel Space Observatory, ambos contendo grandes telescópios de infravermelho – e tem participado em projetos conjuntos com outras agências espaciais. Presentemente, o observatório de raios X da ESA (XMM-Newton) também está equipado com um muito sensível telescópio de ultravioleta e luz visível, o Optical Monitor (ver Mignone & Barnes, 2011b). Destas e de muitas outras observações, os astrónomos elaboraram um bom esquema dos estágios das vidas das estrelas, em que cada um depende da massa da estrela no seu caminho do nascimento à morte.

Estrelas massivas

Embora relativamente raras, as estrelas de massas elevadas são as mais brilhantes e quentes de todas e são melhor observadas nos comprimentos de onda mais curtos e energéticos da radiação ultravioleta e luz visível azul. Tais estrelas têm massas pelo menos oito vezes a do Sol e temperaturas superficiais elevadas de 10 000 K ou mais mas gastam a sua reserva de hidrogénio mais rápido do que outras estrelas de massa mais pequena: ao longo de dezenas de milhões de anos, comparados com os biliões de anos para estrelas como o Sol. Durante este período, as estrelas massivas produzem poderosos ‘ventos’ (correntes de partículas energéticas) que podem arrancar ou travar a formação estelar em torno delas. Utilizando dados do satélite International Ultraviolet Explorer (IUE), os astrónomos descobriram quanto da massa da estrela é levada para o exterior por estes ventos, que parecem aumentar enquanto a estrela envelhece.
 

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O espetro eletromagnético. As cores realçam as regiões UV, visível e IV observadas por alguns observatórios espaciais da ESA (incluindo projetos conjuntos com outras agências).
A imagem é cortesia da ESA/ATG Medialab
Figura 1: Imagem do Hubble
da supernova SN 1987 A no
visível e no IV-próximo.

A imagem é cortesia da ESA /
Hubble & NASA

Na parte final das suas vidas, as estrelas massivas expandem rapidamente e tornam-se gigantes ou supergigantes vermelhas, como Betelgeuse na constelação de Orion. Com os seus enormes raios e baixas temperaturas superficiais, estas radiam principalmente nos longos comprimentos de onda do visível (vermelho) e IV. Eventualmente explodem como supernovas (ver Székely & Benedekfi (2007) para mais informação sobre a morte de estrelas).

A 23 de fevereiro de 1987 a luz de uma explosão de uma supernova na Grande Nuvem de Magalhães chegou pela primeira vez à Terra. Comparando dados do IUE antes e depois da observação da explosão, os astrónomos identificaram a estrela progenitora – e descobriram que era uma supergigante azul e não vermelha. Antes de 1987, pensava-se que só supergigantes vermelhas explodiriam em supernova, mas esta observação demonstrou que outros tipos de estrelas evoluídas podem também produzir esse tipo de explosão.

As supergigantes azuis são mais pequenas e mais densas do que as vermelhas; um exemplo é Rigel na constelação de Orion. Desde então, os astrónomos têm estudado os restos da explosão. A luz da supernova aquece o gás e a poeira em seu torno, tornando o primeiro brilhante em comprimentos de onda do visível e a segunda no infravermelho (figura 1).

Estrelas de pequena massa

Figura 2: O telescópio
espacial Hubble revelou que
as nebulosas planetárias
surgem numa imensa
variedade de formas. Aqui é
vista na luz visível e
espantosa nebulosa
planetária assimétrica NGC
5882.

A imagem é cortesia da ESA /
Hubble & NASA

A grande maioria das estrelas têm massa relativamente pequena, semelhante à do Sol ou mesmo inferior. Com temperaturas superficiais entre 4000 e 10000 K, estas estrelas dominam os comprimentos de onda do visível, sendo especialmente brilhantes na luz amarela, laranja e vermelha. Queimam hidrogénio mais lentamente do que estrelas massivas, com tempos de vida que se estendem até dezenas de biliões de anos. As estrelas de pequena massa também se transformam em gigantes vermelhas nos finais das suas vidas, expandindo-se e arrefecendo na sua superfície. Finalmente, expelem as suas camadas exteriores, produzindo conchas de gás em expansão chamadas de nebulosas planetárias (figura 2). Estas eventualmente dispersam-se e deixam para trás objetos quentes e compactos chamados de anãs brancas.

Na nossa própria galáxia, a Via Láctea, a maior parte das estrelas tem massa ainda mais pequena – cerca de metade da do Sol, ou menos – com superfícies mais frias que radiam principalmente nos comprimentos de onda de IV mais curtos, chamados de IV-próximo.

A morte de tal estrela de pequena massa nunca foi observada, uma vez que a própria idade do Universo é inferior ao seu tempo de vida: milhares de biliões de anos, ou mais.

O material mais frio do Universo brilha nos comprimentos de onda do IV-longínquo, que foram alvo da sonda Herschel, e nos mais longos comprimentos das microondas, como vistas pelo Planck, um satélite que foi lançado para o espaço juntamente com o Herschel em 2009. No nosso próximo artigo vamos descrever como é que estas duas missões estão a avançar o nosso conhecimento da formação estelar através do Universo.
 

Formação estelar e poeira cósmica

As estrelas formam-se do meio interestelar – uma mistura difusa de gás e poeira cósmica que constituem o reservatório de formação estelar de uma galáxia. A poeira absorve luz visível mas é transparente a comprimentos de onda do IV-próximo e, assim, os astrónomos usam o IV-próximo para penetrar a poeira e ver processos complexos em ação, tais como a formação de discos proto-planetários em torno de estrelas recém-nascidas. Estes discos, vistos pela primeira vez com o Hubble, são sementes de futuros sistemas planetários como o nosso Sistema Solar (figura 4). As proto-estrelas, que ainda não atingiram a temperatura de estrelas maduras, também radiam forte em comprimentos de onda de IV. A poeira cósmica brilha a comprimentos de onda longos (médio e longínquo-IV) devido à sua temperatura baixa. Utilizando estes comprimentos de onda, os astrónomos podem ver este material poeirento interestelar na nossa própria Galáxia e além dela, fornecendo uma previsão das estrelas que ainda vêm aí (figura 5). Observações de IV também detetaram moléculas que desempenham um papel fundamental nas reações químicas de formação estelar – tais como água interestelar, que foi primeiro identificada pelo Infrared Space Observatory no final dos anos 1990. Hoje em dia, os astrónomos continuam a revelar a complexa composição química das regiões de formação estelar explorando a rica coleção de dados do Herschel Space Observatory.

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Figura 4: Discos proto-planetários vistos na nebulosa de Orion usando dados do visível e do IV-próximo (Hubble)
.
A imagem é cortesia da NASA / ESA / M. Robberto (Space Telescope Science Institute/ESA) / equipa Hubble Space Telescope Orion Treasury Project / L. Ricci (ESO)

Figura 3: Estrelas no enxame
globular Omega Centauri.
Esta imagem combina dados
dos comprimentos de onda
do UV (apresentado em azul
e verde) e do IV-próximo (a
vermelho) para realçar os
diferentes tipos de estrelas
no enxame
.
A imagem é cortesia da NASA /
ESA / equipa Hubble SM4 ERO

Enxames estelares

Para além de observarem estrelas isoladas, os astrónomos estudam a evolução de estrelas de diferentes tamanhos olhando para grupos de muitas estrelas chamados de enxames estelaresw2. O Telescópio Espacial Hubble, com a sua larga cobertura espetral do UV ao IV-próximo, fornece espantosas imagens de enxames estelares que ilustram a grande variedade de estrelas dentro destes (figura 3). Estas imagens levaram a algumas notáveis descobertas. Por exemplo, antes do Hubble, os astrónomos pensavam que as estrelas nos enxames globulares (enxames estelares que se formaram quando a nossa Galáxia ainda estava a tomar forma) nasceram todas ao mesmo tempo. As imagens do Hubble mostraram que as suas estrelas se formaram, afinal, durante vários episódios distintos e que os enxames globulares são muito mais complexos do que o que se pensava antes. Outras observações do Hubble confirmaram que as estrelas mais azuis (logo, mais massivas) têm tendência a afundar-se para o centro de um enxame globular, enquanto as estrelas mais vermelhas e pequenas se movem mais para a periferia – uma ideia que já era prevista à muito pela teoria mas que nunca tinha sido testemunhada.

 
star formation
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Figura 5: Formação estelar revelada por observações feitas em diferentes comprimentos de onda (galáxia M51). A imagem no UV (a) mostra as estrelas mais quentes e massivas; a imagem visível/IV-próximo (b) apresenta estrelas de pequena massa; e as imagens no IV-médio (c) e IV-longínquo (d) mostram poeira, de onde futuras estrelas se formarão.
A imagem é courtesia de: Marco Iacobelli (XMM-Newton SOC) e ESA [a]; NASA, ESA, S. Beckwith (STScI), e The Hubble Heritage Team (STScI/AURA) [b]; ESA/ISO, CEA Saclay e ISOCAM Consortium [c]; ESA e PACS Consortium [d]
 

Mais sobre a ESA

A Agência Espacial Europeia (ESA)w3 é a porta de entrada da Europa no espaço e organiza programas para saber mais sobre a Terra, o seu ambiente espacial imediato, sobre o nosso Sistema Solar e sobre o Universo; coopera na exploração humana do espaço, desenvolvendo tecnologias e serviços baseadas em satélites, promovendo a indústria europeia. O Directorate of Science and Robotic Exploration dedica-se ao programa de ciência espacial da ESA e à exploração robótica do Sistema Solar. Na demanda para a compreensão do Universo, das estrelas, dos planetas e das origens da vida, os satélites de ciência espacial da ESA perscrutam as profundezas do cosmos e olham para as galáxias mais longínquas, estudando também o Sol num detalhe sem precedentes e explorando ainda os nossos vizinhos planetários.

A ESA é membro do EIROforumw4, o editor de Science in School.


References

Web References

Resources

Institutions

Author(s)

Claudia Mignone, Vitrociset Belgium for ESA – European Space Agency, é uma redatora de ciência no ESA Science and Robotic Exploration Directorate. Tem uma graduação em Astronomia pela Universidade de Bolonha, Itália e um doutoramento em Cosmologia pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Antes de se juntar à ESA, trabalhou no gabinete de divulgação pública do European Southern Observatory (ESO).

Rebecca Barnes, HE Space Operations da ESA – European Space Agency, é a responsável pela educação no ESA Science and Robotic Exploration Directorate. Tem uma graduação em Física e Astronomia pela University of Leicester, Reino Unido, e trabalhou antes em departamentos de educação e comunicação espacial do UK’s National Space Centre. Para saber mais sobre as atividades de educação do ESA Science and Robotic Exploration Directorate, contacte Rebecca em SciEdu@esa.int.

Review

Este artigo descreve os ciclos de vida de estrelas e como investigar o seu comportamento. As atividades de investigação concentram-se nas missões da ESA e nos seus resultados.

As autoras explicam de uma forma muito interessante como a massa de uma estrela, a sua temperatura e o seu comprimento de onda se relacionam uns com os outros e como este conhecimento é aplicado no vasto campo da investigação em astrofísica.

Este artigo é útil, principalmente, para lições de física, em particular no seu enfoque em astrofísica, mas também contém ligações à geografia e mesmo às línguas.

O artigo tem o potencial de estimular discussões em torno de uma larga gama de questões, em particular:

  • Descrever as diferenças dos ciclos de vida de estrelas massivas e de pequena massa
  • Dar uma visão geral do espetro eletromagnético (e.g. luz visível, IV e UV)
  • Discutir a relação entre comprimento de onda, energia e frequência
  • Porque utilizamos observatórios espaciais para além dos observatórios na superfície da Terra?
  • Qual é a relação entre temperatura superficial e a cor (comprimento de onda) das estrelas?
  • Como depende o ciclo de uma estrela da sua massa?
  • O que são enxames estelares?
  • O que acontece às estrelas massivas no final das suas vidas?

Gerd Vogt, Escola Secundária para o Ambiente e Economia, Yspertal, Áustria

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