Na sua bicicleta: como os músculos reagem ao exercício físico Understand article

Traduzido por Maria João Fonseca. Todos sabemos que o execício nos faz ficar em forma e mais saudáveis – mas que modificações ocorrem nas nossas células para que isto aconteça?

Imagem cortesia de Let Ideas
Compete; fonte da imagem:
Flickr

Da próxima vez que estiver a fazer exercício no ginásio, ou a percorrer as ruas a correr ou a fazer jogging, pense nisto: a ideia de ‘memória muscular’ – que o exercício físico que fazemos hoje tem efeitos nos nossos músculos daqui a alguns anos – nunca foi demonstrada cientificamente. Será que existe e, se existir, como funciona?

Figura 1: Uma agulha de
biópsia é utilizada para
remover um fragmento de
músculo da perna de um
participante no estudo. Este
tecido pode revelar as
mudanças que ocorrem nas
fibras musculares em
resposta a diferentes tipos
de exercício físico

Imagem cortesia de Maléne
Lindholm e Susanna Wallman
Appel

Estas são algumas das questões a que esperamos dar resposta com a investigação que estamos actualmente a desenvolver, a qual tem como objectivo identificar as alterações que ocorrem nos músculos quando fazemos exercício físico, e perceber como é que os nossos músculos reagem de forma específica a, por exemplo, treino de resistência e treino de força.

A ajudar-nos a investigar estas questões, está uma grande equipa de voluntários. Para além de terem que pedalar até à exaustão no nosso ginásio, antes e depois de um regime de exercício físico extenuante que dura algumas semanas, nós recolhemos uma pequenina amostra do músculo das suas pernas, sob o efeito de anestesia local (figura 1). O objectivo da nossa investigação é auxiliar as pessoas a optimizarem os seus programas de treino para obterem os melhores resultados possíveis, e potencialmente ajudar a desenvolver novos tratamentos para pessoas que não podem praticar exercício físico por estarem paralisadas ou terem problemas nas articulações.

Figura 2: Antes dos estudos
relativos ao exercício físico,
os participants realizam um
teste no qual todo o ar
expelido é recolhido e o
volume de oxigénio retido
pelo corpo é medido. Isto
dá informação acerca da
condição do coração e dos
músculos activos de cada
participante

Imagem cortesia de Maléne
Lindholm e Susanna Wallman
Appel

Nós avaliamos a condição física dos nossos voluntários antes e depois da sua participação nos estudos, através da medição do seu consumo máximo de oxigénio. Eles pedalam numa bicicleta estática com resistência crescente até à exaustão, enquanto usam uma máscara que permite analisar o seu consumo de oxigénio (figura 2). Isto dá-nos informação acerca da capacidade cardíaca e do metabolism dos músculos activos – ambos factores associados com a condição física.

De seguida estudamos o tecido muscular das biópsias, quer através do corte e coloração do tecido, seguida da sua observação microscópica (figura 3), ou desfazendo o tecido e medindo os níveis de moléculas específicas.

Claro que já sabemos que o exercício físico regular tem benefícios para a saúde. Os indivíduos fisicamente activos têm um menor risco de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes de tipo II e determinados tipos de cancro. Até uma quantidade moderada de actividade física diária, por exemplo 30 minutos de caminhada, é suficiente para se conseguirem muitos dos benefícios. E quanto mais exercício, maiores os benefícios.

Figura 3: Um microscópio é
utilizado para observar as
modificações que ocorrem
nas fibras musculares em
resposta ao exercício físico.
Diferentes tipos de coloração
revelam diferentes estruturas
no interior da célula. Aqui,
uma modificação específica
numa histona é tingida de
vermelho, com o núcleo a
azul e a membrana celular
a verde. Para determinar se
uma modificação ocorreu,
iríamos compará-la com uma
imagem obtida antes to
treino. Clique na imagem
para ampliar

Imagem cortesia de Maléne
Lindholm and Susanna
Wallman Appel

Contudo, não é apenas uma questão de quanto exercício físico realizamos, mas também de que tipo de exercício se trata e de quão intenso é: diferentes tipos de exercício produzem diferentes efeitos no corpo. O treino de alta resistência, tal como o levantamento de pesos, leva ao crescimento dos músculos esqueléticos, aumentando a força, enquanto o exercício de resistência regular, por exemplo corrida de longa distância, ciclismo ou aeróbica, melhora a condição física e reduz a fatiga.

De que modo o exercício de resistência regular produz estes efeitos? Ao longo do tempo, o coração desenvolve a capacidade de bombear maiores volumes e após alguns meses de treino, formam-se pequenos vasos sanguíneos (capilares) em torno das células musculares de forma a asseguar um bom fornecimento de oxigénio. Para além disso, o número de mitocôndrias – as ‘centrais energéticas’ da célula – aumenta. No interior da mitocôndria, há enzimas que usam o oxigénio para converter açúcares e lípidos digeridos em energia utilizável. Quantas mais mitocôndrias tiverem os músculos, maiores quantidades de gordura e açúcar conseguem metabolizar e mais energia conseguem libertar.

Mas aquilo que ainda não compreendemos é exactamente como o exercício físico provoca essas modificações. Estamos a abordar esta questão segundo duas linhas: primeiro, como é que o exercício leva ao aparecimento de mais mitocôndrias nas células musculares? E segundo, como é que o exercício muda a forma como o DNA da célula é utilizado?

A construir mitocôndrias

As mitocôndrias são produzidas a partir de moléculas proteicas, pelo que os factores que promovem a produção de proteínas mitocondriais, podem levar ao aumento do número de mitocôndrias numa célula. Um factor que actua como um regulador chave da produção de proteínas mitocondriais é uma molécula designada por PGC-1 α (figura 4).

Figura 4: PGC-1α é um factor que se sabe regular o número de mitocôndrias nas fibras musculares esqueléticas, afectando, por isso, a resistência física. Modificações que ocorrem durante o exercício físico estimulam a produção desta proteína, que actua conjuntamente com com factores de transcrição especializados (PPAR e NRF-1) para produzir componentes mitocondriais. Clique na imagem para ampliar
Imagem cortesia de Susanne Mükusch
Representação artística de
uma secção transversal de
uma mitocôndria, ilustrando
a estrutura da sua membrana
interna com pregas. Clique
na imagem para ampliar

Imagem cortesia de Mariana
Ruiz Villarreal; fonte da
imagem: Wikimedia Commons

Para que um gene seja expresso – isto é, utilizado na produção de uma proteína – a informação do DNA contido no núcleo deve primeiro ser copiada, or transcrita, numa molécula de mRNA. As moléculas de mRNA deslocam-se então para fora do núcleo até locais da célula em que as moléculas proteicas são produzidas.

O processo de transcrição é controlado por moléculas que se ligam ao DNA, designadas por factores de transcrição. Estes ligam-se à cadeia de DNA em locais muito específicos, bloqueando ou promovendo o processo de transcrição. A PGC-1α actua conjuntamente com factores de transcrição para promover a expressão de muitos genes que codificam para proteínas mitocondriais.

Descobrimos recentemente que uma variante da PGC-1α não está de todo presente antes do exercício físico, mas podem encontrar-se níveis elevados desta molécula após apenas uma hora a andar de bicicleta.

Isto sugere que certos genes são activados exclusivamente pelo exercício físico, e isto pode ser uma pista para perceber os efeitos do exercício físico na saúde. Estamos agora a investigar possíveis moduladores moleculares da PGC-1α, que se podem ligar a esta proteína para aumentar ou diminuir a sua actividade ao nível da promoção de proteínas mitocondriais.

Factores epigenéticos

Também estamos a explorar o possível impacto do exercício físico na epigenética. As modificações epigenéticas afectam a forma como o DNA é utilizado, sem afectar a informação genética nele contida. Nas nossas células, o DNA está disposto em torno de proteínas com forma de moeda designadas por histonas. A ligação de pequenas moléculas químicas à cadeia de DNA ou às histonas, afecta a capacidade dos factores de transcrição alcançarem os seus genes alvo. Por exemplo, adicionar uma molécula de metilo (CH3) ao DNA geralmente torna os genes adjacentes menos acessíveis e, por isso, menos activos, enquanto que adicionar um grupo acetilo (COCH3) a histonas normalmente afrouxa essa parte da cadeia de DNA, tornando-a mais acessível para transcrição (figura 5).

Figura 5: A adição de uma molécula de metilo (CH3) ao DNA geralmente torna os genes adjacentes menos acessíveis e, por isso, menos activos (A), enquanto que a adição de um grupo acetilo (COCH3) a histonas normalmente afrouxa essa parte da cadeia de DNA, tornando-a mais acessível para transcrição (B)
Imagem adaptada com permissão de NIH Common Fund (para o original, consultar: http://commonfund.nih.gov/Epigenomics/epigeneticmechanisms.aspx)

Utilizando o material das biópsias dos nosso voluntários, tencionamos verificar se estes efeitos epigenéticos se mantêm após um período prolongado sem actividade física, e se influenciam o modo como um indivíduo responde a um período posterior de treino.Com base nos resultados destas experiências, seremos capazes de investigar se a ‘memória muscular’ realmente existe e, se existir, como é que isto se processa.

Agradecimentos

As autoras gostariam de agradecer ao Professor Associado Carl Johan Sundberg pela oportunidade de trabalhar no seu laboratório e pelos valiosos comentários sobre este artigo.


Resources

  • Para saber mais acerca do papel do exercício físico na prevenção e tratamento de diferentes doenças, consultar:
  • Para mais informações acerca dos efeitos fisiológicos do exercício físico, consultar:
  • Os artigos de investigação seguintes disponibilizam mais informação acerca dos detalhes científicos:

Author(s)

Maléne Lindholm e Susanna Wallman Appel estão a desenvolver projectos de investigação acerca dos efeitos do exercício físico na função do músculo esquelético humano e dos resultantes benefícios para a saúde. Ambas possuem o grau de mestre em biomedicina pelo Karolinska Institutet em Estocolmo, Suécia, onde também ensinam fisiologia.

Review

O exercício físico é uma actividade que diz respeito (ou deveria dizer respeito) a todos os seres humanos no planeta; como tal, tem recebido muita atenção desde há décadas. Apesar de os potenciais benefícios do exercício físico serem bem conhecidos, a causa desses benefícios é desconhecida. Este artigo dá uma ideia geral de alguns dos factores genéticos que podem estar envolvidos nos resultados positivos observados ao nível da condição física de um indivíduo que pratica exercício.

Os biólogos e outras pessoas que tenham pelo menos um conhecimento básico de genética, incluindo estudantes de biologia do ensino secundário, irão provavelmente achar a informação contida neste artigo muito interessante. Podem mesmo ficar motivados para pensar em formas alternativas através das quais a prática de exercício físico pode gerar benefícios para a saúde.

Michalis Hadjimarcou, Chipre

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CC-BY-NC-ND

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