Para além do que se vê: o Universo frio e distante Understand article

Traduzido por Pedro Augusto. No quinto e último artigo desta série sobre a Astronomia e o espetro eletromagnético, descubra como usam os cientistas as missões da European Space Agency (ESA) para observarem o céu no infravermelho longínquo, no submilímetro e em luz de microondas.

A núvem de formação estelar
Orion A vista pelo Herschel
Space Observatory da ESA

A imagem é cortesia de ESA /
Herschel / Ph André, D
Polychroni, A Roy, V Könyves,
N Schneider pelo Gould Belt
survey Key Programme

A cinco mil anos-luz da Terra está localizado o objeto mais frio até hoje encontrado no Universo, a Nebulosa Bumerangue – uma estrela a morrer que deixa atrás de si uma núvem de gás que está apenas um grau acima do zero absoluto (0 K). Esta núvem, como outros objetos frios no Universo, é invisível a olho nú.

Quanto mais frio é um objeto maiores os comprimentos de onda com que emite luzw1. Com temperaturas de 50 K ou menos, porções frias de gás interestelar e poeira cósmica emitem luz no infravermelho longínquo (25 a 350 μm) e no submilímetro (350 μm a 1mm), comprimentos de onda muito mais compridos do que os que os nossos olhos podem ver. Então, como sabemos que esses objetos frios existem? Para capturar a radiação e ‘ver’ os objetos a comprimentos de onda para além da gama do visível, os astrónomos utilizam telescópios dedicados ao infravermelho longínquo (FIR), ao submilímetro (sub-mm) e às microondas.

Esta abordagem tem desafios: a luz nestes comprimentos de onda longos é absorvida por vapor de água e outras moléculas na atmosfera da Terra, o que torna observações da sua superfície extremamente difíceis e em comprimentos de onda FIR simplesmente impossíveis. Para a maioria dos comprimentos de onda do infravermelho a própria atmosfera emite luz, adicionando uma indesejada fonte de ruído aos sinais cósmicos em que os astrónomos estão interessados.

De forma a combater estes problemas, telescópios de comprimentos de onda longos podem ser colocados em regiões secas e de elevada altitude. A maior instalação de radioastronomia do mundo – o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) – está nos Andes chilenos, por exemplo. A uma altitude de 5000 metros, o ALMA é um dos mais elevados locais com observatórios na Terra, estudando luz que chega de alguns dos mais frios objetos do Universo (como descrito em Mignone & Pierce-Price, 2010).

A Nebulosa Bumerangue é
uma jovem nebulosa
planetária e o objeto mais
frio do Universo encontrado
até agora.

A imagem é cortesia da
ESA/NASA

A European Space Agencyw2 (ESA) viajou ainda mais longe a 14 de maio de 2009 quando lançou dois novos observatórios espaciais. Operando para lá da atmosfera da Terra, o Herschel Space Observatory e o satélite Planck estudaram o frio e distante Universo. Em termos astronómicos, olhar para objetos distantes significa olhar para trás no tempo. Quando um telescópio observa uma galáxia a 100 milhões de anos-luz, vemos a galáxia como ela era há 100 milhões de anos, quando a sua luz foi emitida. E porque o nosso Universo está em expansão, o comprimento da luz emitida por estrelas e galáxias distantes é esticado ainda mais antes de chegar aos telescópios na Terra ou próximo dela – um fenómeno conhecido como desvio para o vermelho, ou redshittw3

O Herschel Space Observatory consistia num telescópio de 3.5m para observações no FIR e no sub-mm e a sua missão foi estudar a origem e a evolução de estrelas e galáxias. O objetivo do satélite Planck, por outro lado, foi estudar a radiação-relíquia do Big Bang rastreando todo o céu em comprimentos de onda do sub-mm e das microondas. Até 2013, quando as duas missões terminaram, as suas observações forneceram aos astrónomos muitas pistas que estavam em falta.

A nave Herschel na sala limpa do Porto AeroespacialEuropeu de Kourou, na Guiana Francesa, antes do seu lançamento em 2009.
A imagem é cortesia da ESA-CNES-Arianespace / Optique Vidéo du CSG
A nave Planck. A reflexão da nave Herschel é visível no espelho do telescópio.
A imagem é cortesia da ESA / Thales

Como nascem as estrelas

O que se destaca em obervações feitas com telescópios de longos comprimentos de onda é a mistura fria de gás e poeiras que enche as galáxias. Este meio interestelar é material bruto do qual estrelas e planetas se formam: dentro das partes mais densas de nuvens moleculares a gravidade faz com que o gás e as poeiras se contraiam e fragmentem, eventualmente levando ao nascimento estelar.

Enquanto estrelas maduras brilham principalmente com luz ultravioleta, visível e infravermelha (como descrito em Mignone & Barnes, 2014), as fases iniciais de formação estelar são melhor reveladas noutras zonas do espetro eletromagnético. Em particular, proto-estrelas individuais dentro da Via Láctea e em galáxias próximas podem ser detetadas em comprimentos de onda FIR e sub-mm.

O espetro eletromagnético, com a indicação dos comprimentos de onda, frequências e energias. O satélite Planck observou comprimentos de onda dos 0.3mm a 1cm e o Herschel Space Observatory dos 60 μm aos 0.6mm.
A imagem é cortesia da ESA / AOES Medialab
 

Observações feitas com o telescópio Herschel revelaram que o meio interestelar da nossa galáxia está preenchido com estruturas filamentares de gás e poeiras em todas as escalas. De nuvens próximas alojando novelos de filamentos com um comprimento de uns poucos anos-luz até estruturas gigantes que se espalham centenas de anos-luz através dos braços em espiral da Via Láctea, estas estruturas – apenas umas poucas das quais eram conhecidas antes da missão Herschel – aparecem em todo o lado

Os astrónomos acreditam agora que os filamentos são uma peça-chave da formação estelar: assim que a densidade do gás e poeiras interestelares num filamento excede um valor crítico, este pode tornar-se gravitacionalmente instável, originando concentrações mais densas de matéria que podem, eventualmente, formar estrelas.

Rastreando todo o céu, o satélite Planck detetou milhares de nódulos frios e densos onde nascem estrelas e mostrou que estes nódulos não estão isolados mas parecem estar relacionados uns com os outros. Formam enormes estruturas filamentares ao longo da Via Láctea, assemelhando-se a filamentos mais pequenos detetados pelo Herschel Space Observatory

A estrutura filamentar do meio interestelar no plano galático, onde a maior parte das estrelas da Via Láctea nascem.
A imagem é cortesia de ESA / PACS & SPIRE Consortium / S Molinari, Hi-GAL Project

A formação e a evolução de galáxias

A observação de regiões de formação estelar da Via Láctea fornece uma janela para os processos que levam ao nascimentos de estrelas mais próximas da Terra. Contudo, a missão Herschel foi, também, fulcral na investigação da evolução da formação estelar em galáxias através da história do cosmos.

Por exemplo, estudos baseados em observações do Herschel indicaram que a maior parte das estrelas na história do Universo se formaram silenciosamente em galáxias consideradas ‘normais’ para a época em que as vemos, em vez de através de acontecimentos violentos e tumultuosos tais como a agregação de galáxias.

As agregações, apesar de espetaculares, são relativamente raras e de duração curta. Não dominaram a história cósmica da formação estelar, pelo menos durante os últimos 10 mil milhões (1010) de anos. O que é crucial para a formação estelar é que as galáxias tenham disponível gás suficiente para criarem estrelas, o que pode ser fornecido por correntes intergaláticas de gás frio.

O Universo primitivo

Em último caso, a luz mais antiga na história do nosso Universo de 13.8 mil milhões de anos é a radiação cósmica de fundo (CMB) – restos da radiação térmica do Big Bang. Um fóssil do estado quente e denso do cosmos inicial, o CMB foi libertado apenas 380 mil anos depois do Big Bang e é o que se pode explorar mais atrás no tempo usando luz. Contém uma abundante quantidade de informação acerca da formação e evolução de estrutura no Universo e pode ser detetada utilizando microondas.

O Planck foi a terceira missão espacial a rastrear por todo o céu esta relíquia do Universo primitivo, depois dos satélites COBE e WMAP da NASA. Com um detalhe sem precedentes, o satélite Planck fez um mapa das pequeníssimas diferenças de temperatura no CMB – uns meros 0.00001 K acima ou abaixo da temperatura de fundo de 2.73 Kw4.

O satélite Planck mapeou pequeníssimas diferenças detemperatura no ruído
cósmico de fundo que representam as sementes das atuais estrelas e galáxias.

A imagem é cortesia da colaboração ESA / Planck
 

Estas flutuações minúsculas marcam regiões de pequenas diferenças de densidade no fluido que enchia o cosmos inicial, antes de quaisquer estrelas ou galáxias se terem formado. Assim, estas são as sementes em torno das quais todas as futuras estruturas cósmicas tomaram forma, incluindo as estrelas e galáxias de hoje em dia.

O mapa do Planck é a imagem mais precisa do Universo primitivo até agora, confirmando a visão-padrão do cosmos e permitindo aos astrónomos a determinação da sua idade, ritmo de expansão e composição com ainda mais precisão.


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Author(s)

Claudia Mignone é uma escritora de ciência da European Space Agency Science Directorate (Vitrociset, Bélgica). Tem graduação em Astronomia da Universidade de Bolonha, Itália, e um doutoramento em Cosmologia da Universidade de Heidelberg, Alemanha. Antes de se juntar à ESA, trabalhou no gabinete de divulgação científica do European Southern Observatory (ESO).

Rebecca Barnes é responsável pela educação da European Space Agency Science Directorate (HE Space Operations). Tem um grau em Física com Astrofísica da Universidade de Leicester, Reino Unido, e anteriormente trabalhou nos departamentos de educação e comunicações espaciais do National Space Centre (Reino Unido). Para saber mais sobre as atividades educativas do ESA Science Directorate, contacte a Rebecca em SciEdu@esa.int.

Review

Este artigo mostra como os astrónomos começam a responder às questões sobre as origens do Universo e sobre como as estrelas se formaram no jovem (e envelhecido) Universo.

Pode ser usado no desenvolvimento de discussões baseadas em questões como:

  • Como usam os astrónomos o espetro eletromagnético?
  • O que ganhamos no estudo do ruído cósmico de fundo (CMB)?
  • Pode o custo de missões espaciais científicas ser justificado?

Robert Woodman, Ysgol Bro Gwaun, Reino Unido

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